Introdução
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, voltou a usar tarifas como instrumento de pressão comercial. No fim de julho, ele promulgou um tarifaço abrangente: taxas de 50% sobre produtos importados de praticamente todos os parceiros comerciais, inclusive o Brasil[1]. A medida foi oficializada em 30 de julho e entra em vigor em 6 de agosto[2]. Embora haja cerca de 700 exceções, itens importantes da pauta de exportação brasileira – como café, frutas e carnes – não estão na lista e serão taxados[3]. A ordem executiva considera o Brasil uma ameaça “incomum e extraordinária” à segurança nacional dos EUA[4].
Enquanto exportadores tentam entender os efeitos da decisão, investidores e gestores olham para o mercado de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs). Esses veículos de securitização compram recebíveis de empresas (cedentes) para antecipar capital de giro e possibilitam que investidores participem dessa cadeia de crédito. Diante do tarifaço, surge a pergunta: como as novas tarifas americanas podem afetar cedentes, sacados e a estrutura dos FIDCs?
O que é o tarifaço de Trump
O termo tarifaço ganhou destaque quando Trump anunciou tarifas adicionais sobre praticamente todos os produtos importados pelo país. De acordo com a CNN Brasil, o republicano vem aumentando tarifas sobre parceiros comerciais e ameaça medidas ainda mais amplas[5]. Em carta enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 9 de julho, Trump justificou a taxação de 50% sobre produtos brasileiros com argumentos comerciais e políticos[6]. A medida, assinada como decreto executivo no dia 30, passa a valer sete dias após a publicação[2].
A Agência Brasil detalha que a ordem traz quase 700 exceções, poupando produtos como suco de laranja, combustíveis, fertilizantes, minérios e aeronaves[7]. Porém, café, frutas e carnes – pilares do agronegócio e frequentes lastros de FIDCs – serão taxados em 50%[8]. O documento também prevê que mercadorias que já estejam em trânsito para os EUA não serão alcançadas pela taxação[9]. Trump ameaça ainda aumentar a alíquota caso o governo brasileiro responda com medidas de retaliação[10].
Panorama do mercado de FIDCs no Brasil
Os FIDCs são fundos que compram direitos creditórios de empresas, transformando duplicatas, cheques, notas promissórias e contratos de financiamento em títulos negociáveis. Essa securitização permite que empresas antecipem seus fluxos de caixa e obtenham recursos de forma ágil[11]. FIDCs são especialmente importantes para pequenas e médias empresas, que muitas vezes enfrentam dificuldades de acesso ao crédito bancário[12]. Ao vender seus recebíveis, esses cedentes obtêm capital para quitar dívidas, financiar expansões ou investir em inovação[13].
O segmento tem crescido rapidamente. Segundo a Bamboo DCM, as emissões de FIDCs alcançaram R$ 119 bilhões em 2024, quase seis vezes mais que no ano anterior[14]. O interesse de investidores pessoas físicas também explodiu: em outubro de 2024, o volume aplicado dobrou, chegando a R$ 15,98 bilhões – alta de 115,9% em relação a 2023[15]. Mesmo assim, os FIDCs ainda representam apenas 2,66% do total investido por indivíduos, que soma R$ 7,24 trilhões[16]. Esse crescimento acelerado combinado com baixa penetração revela um setor com grande potencial, sobretudo em um cenário de Selic em dois dígitos[17].
Para os investidores, FIDCs oferecem a possibilidade de diversificação e retornos superiores aos de outros produtos de renda fixa[18]. No entanto, é preciso atenção aos riscos. O principal é o risco de crédito, ligado à possibilidade de inadimplência dos sacados. Há ainda o risco de liquidez, pois os recebíveis podem ter prazos longos[19]. Especialistas recomendam diversificação entre diferentes fundos e análise aprofundada da carteira de recebíveis[20]. A governança do fundo – transparência, políticas de investimento e qualidade da gestão – é outro fator crítico[21], assim como o monitoramento contínuo das condições econômicas e do mercado de crédito[22].
Regulação recente: IOF e novas alíquotas
Além do tarifaço, o ambiente regulatório mudou em junho de 2025. O governo brasileiro publicou o Decreto 12 499/2025 e a Medida Provisória 1 303/2025, que reformaram a tributação de investimentos. Uma das novidades é a cobrança de IOF de 0,38% nas compras primárias de cotas de FIDCs, excetuadas as operações realizadas até 13 de junho ou no mercado secundário[23]. A alíquota do IOF sobre operações de crédito foi reduzida para 1,38% para microempreendedores individuais (MEIs) e empresas de pequeno porte que optam pelo Simples Nacional, permanecendo em 3,38% para as demais companhias[24].
Outra mudança importante foi a unificação da tabela do Imposto de Renda sobre investimentos: a partir de 2026, os ganhos de renda fixa passarão a ser tributados a 17,5%, substituindo a tabela regressiva que variava de 22,5% a 15%[25]. Incentivos fiscais de instrumentos como LCIs, LCAs, CRIs e debêntures incentivadas foram reduzidos, agora com tributação de 5% sobre emissões feitas a partir de 2026[26]. Real estate funds (FIIs) e Fiagros também perderam a isenção: haverá retenção de 5% mesmo para fundos com mais de 100 cotistas[27]. Esses ajustes tornam o ambiente de investimentos mais oneroso e podem impactar o apetite pelos FIDCs.
Impactos esperados no mercado de FIDCs
Efeito direto sobre cedentes e sacados
A tarifa de 50% incidirá sobre café, frutas e carnes, produtos em que o Brasil é competitivo. Muitas empresas do agronegócio utilizam FIDCs para antecipar recebíveis de exportação. Com a elevação do custo para entrar nos EUA, exportadores podem vender menos ou aceitar preços mais baixos, reduzindo a geração de caixa. Isso eleva o risco de inadimplência dos sacados (importadores) e pressiona a qualidade do lastro dos FIDCs.
Outra consequência é a compressão das margens de empresas exportadoras, que podem atrasar pagamentos aos seus fornecedores. Cedentes que vendem recebíveis ao FIDC podem ter maior necessidade de capital de giro para compensar a queda nas receitas, aumentando a demanda por operações de antecipação. Essa procura adicional pode elevar o volume de emissões, mas exige cautela com a qualidade de crédito. Gestores deverão rever suas políticas de originação e monitorar de perto a saúde financeira dos cedentes.
Setores mais expostos
O quadro a seguir resume setores afetados pelo tarifaço e sua relação com FIDCs:
| Produto/Setor | Exposição no tarifaço | Ligação com FIDCs |
| Café, frutas, carnes | Taxados em 50%[8] | Cedentes do agronegócio utilizam FIDCs para exportação; maior risco de inadimplência |
| Suco de laranja, petróleo, aeronaves | Exceções na ordem[7] | Recebíveis desses setores podem sofrer menos; FIDCs ligados a exportadores de suco/energia são menos afetados |
| Celulose, metais preciosos | Exceções[28] | Menor impacto nas carteiras de FIDCs que compram recebíveis desses segmentos |
Embora diversos itens estejam isentos, o agronegócio é um dos principais motores dos FIDCs: o setor de duplicatas de fornecedores rurais e FIDCs de CPRs (Cédulas de Produto Rural) ganha relevância. Portanto, um choque nas exportações pode repercutir no desempenho de fundos estruturados em recebíveis agrícolas.
Pressão sobre risco e retorno
A combinação de tarifaço e aumento de impostos tende a aumentar a volatilidade dos FIDCs. Do lado do risco, a tarifa pode elevar inadimplências e reduzir prazos de pagamento, exigindo prêmios de risco maiores para compensar a incerteza. Do lado do retorno, a nova alíquota única de IR (17,5%) e o IOF de 0,38% reduzem o rendimento líquido dos investidores. Mesmo assim, os FIDCs podem continuar atraentes, pois oferecem retornos superiores aos de títulos públicos e CDBs[18].
Demanda por capital de giro e oportunidades
Apesar dos riscos, o tarifaço pode gerar oportunidades. Exportadores afetados podem precisar antecipar receitas para ajustar seu fluxo de caixa antes que as tarifas vigorem. A antecipação de recebíveis via FIDCs tende a crescer, oferecendo aos investidores novas operações com spreads possivelmente maiores. Para aproveitar esse cenário sem comprometer a segurança:
- Diversifique: aloque recursos em FIDCs com diferentes cedentes, setores e perfis de risco[20].
- Analise a carteira: verifique qualidade dos sacados e das garantias. Prefira fundos com governança robusta e transparência[21].
- Acompanhe o mercado: monitorar mudanças em juros, câmbio e políticas comerciais é essencial para ajustar estratégias[22].
- Considere o horizonte: FIDCs costumam ter prazos mais longos; alinhe seus objetivos e tolerância ao risco[29].
Como cedentes e sacados podem se preparar
Cedentes devem revisar sua gestão de riscos e preparar planos de contingência. É fundamental renegociar prazos com compradores, buscar diversificação de mercados e aumentar a eficiência operacional para absorver o impacto das tarifas. Ao negociar com FIDCs, apresente informações detalhadas sobre a qualidade dos recebíveis e garanta transparência na origem das receitas. Para empresas que pretendem continuar exportando aos EUA, pode ser estratégico antecipar embarques antes de 6 de agosto[2][9].
Sacados – normalmente grandes compradores ou varejistas – também devem avaliar seus contratos. A elevação de tarifas poderá resultar em redirecionamento de compras para outros países ou em renegociação de preços com fornecedores brasileiros. Sacados que honram pontualmente seus compromissos tendem a ser mais valorizados pelos fundos; portanto, manter um histórico sólido é essencial para continuar acessando crédito via FIDCs.
Conclusão
O tarifaço de Trump cria um cenário desafiador para o comércio exterior brasileiro e adiciona uma nova camada de risco ao mercado de FIDCs. Com tarifas de 50% sobre café, frutas e carnes[8], empresas exportadoras podem enfrentar margens menores e buscar mais capital de giro. Ao mesmo tempo, o setor de securitização vive um momento de expansão, com emissões de R$ 119 bilhões em 2024 e forte aumento do interesse de investidores[30]. O sucesso dos FIDCs dependerá da capacidade de gestores e cedentes de adaptarem suas estratégias: diversificação, análise de crédito e monitoramento constante tornam-se ainda mais importantes.
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[1] [2] [5] [6] Tarifaço de Trump: veja cronologia das medidas tomadas pelos EUA | CNN Brasil
[3] [4] [7] [8] [9] [10] [28] Tarifaço de Trump deixa de fora aeronaves, minérios e suco de laranja | Agência Brasil
[11] [12] [13] [18] [19] [20] [21] [22] [29] The importance of FIDCs in the Brazilian credit market – Okean Invest
[14] [15] [16] [17] [30] The Growth of FIDCs in the Brazilian Market – bamboo DCM
[23] [24] [25] [26] [27] New rules for IRPF, IOF, JCP and investments













